Gastronomia

Mel é a iguaria gourmet do momento e aquece a gastronomia nacional

Mel cru, não filtrado, orgânico, cristalizado, de espécies híbridas. Mel líquido, com sabores que lembram flores, queijos e até pimenta, produzido por mais de 300 espécies diversas de abelhas nativas brasileiras conhecidas dos índios desde antes da nossa colonização. De repente, o que era uma pequena prateleira no mercado, acionada para dores de garganta e afins, reúne agora toda uma possibilidade gastronômica, além de o produto invadir os restaurantes, empórios e redes sociais.

Fato: “Mel faz bem à saúde, tem ação antimicrobiana, antioxidante e cicatrizante, ajuda no funcionamento do intestino e no relaxamento”, explica a nutricionista Patricia Davidson. Mas com sabor, tempero e até terroir de sobra, fruto de produções customizadas, o alimento mudou de status. Na Fazenda Santo Antônio, em Atibaia, no interior de São Paulo, Fernanda Arruda comanda um cultivo artesanal de abelhas híbridas Apis, com ferrão, que rende 250 litros de mel por ano. “As chamamos de abelhas livres porque elas não têmo compromisso de fornecer mel em grande quantidade o ano todo”, explica. Ao deixar as caixas coletoras em lugares distintos, Fernanda possibilita sutis diferenças no produto. “Interferiremos o mínimo possível no habitat delas, por isso as pessoas só vão conseguir comprar o mel se elas estiverem saudáveis. O processo é familiar, minhas filhas e eu envasamos e colocamos os rótulos. É como se estivéssemos fazendo um bolo para pessoas queridas”, compara ela, que o comercializa em estado cru, o que culmina em rápida cristalização.

No mundo do mel, cristalização é sinal de pureza. Há cinco anos, num almoço no restaurante Epice, em São Paulo, o casal Eugenio e Márcia Basile, donos da MBee Mel, que já produzia mel de Apis desde 2013, foi apresentado pelo chef Alberto Landgraf a alguns meles de abelhas nativas. “Não tínhamos conhecimento daquilo e ficamos loucos. Era um mapa do Brasil em diferentes meles”, conta Eugenio. Começarama trabalhar com pequenos produtores do País inteiro, comprando seus alimentos e os levando ao mercado com a Mbee Mel. “As abelhas nativas não podem ser migradas do seu terroir. Então, criamos uma rede que envolve o pequeno produtor e chefs interessados em seus meles para a alta gastronomia. Toda vez que alguém descobre um novo mel, de um tipo diferente de abelha, uma nova cadeia é criada. Aconteceu recentemente, com o chef Ivan Ralston, do Tuju, que se encantou com o raro mel de Emerina, proveniente de abelhas nativas brasileiras sem ferrão, bem fermentado e azedo, e passou a usá-lo em seu menu. “Na festa de entrega do prêmio Michelin, 12 dos restaurantes premiados têm no cardápio pratos com mel de abelha nativa. Estamos no caminho certo”, diz Márcia Basile.

Há dez anos, os meles de abelhas nativas eram de conhecimento apenas de pequenos produtores, mas as mudanças recentes na legislação permitiram que eles chegassem aos mercados, sendo vendidos comercialmente. Momento que coincide com uma ameaça de extinção tanto das Apis quanto das nativas (as primeiras são responsáveis pela polinização de 70% dos produtos que comemos: as segundas, pela preservação e reconstituição da mata brasileira). O fenômeno ainda não tem explicação certa, mas, segundo especialistas, pode estar relacionado com o aumento de monoculturas e uso de agrotóxicos nas plantações que já fez desaparecer colmeias inteiras. Para além da produção de mel, lavouras, pomares e florestas podem estar em risco, por serem polinizadores universais. “Sem essas abelhas nativas, não teremos mais açaí, maracujá, pinhão e tantos outros produtos típicos brasileiros”, adverte Eugenio, sobre a possibilidade de um futuro não tão doce assim.

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